quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Tudo passa...


À beira do Eurotas erguia-se Esparta
orgulhosa, sentindo sua grandeza farta...
Licurgo, um de seus filhos, um legislador,
estivera no Egito, um observador,
apossando-se, então, dos seus conhecimentos.
Passara pela Índia e vira-lhe os tormentos...
Subtraíra, assim toda a cultura alheia
mas de um orgulho terrível tinha a alma cheia.
Transformara o poder em torpe tirania,
com a máscara aparente da democracia.
Em breve recebia a vivência espartana
ordenações terríveis de vaidade insana.
Instalara-se, enfim, bárbaro socialismo
com as vaidosas leis do isolacionismo.

Dividiu-se o país em lotes bem iguais
e criou-se um senado para que inda mais
pudesse até endossar todo o absolutismo
do poder tão cruel e cheio de egoísmo.
Havia disciplina civil, militar,
obrigando-se o povo também a tomar
refeições em comum em meio à grande praça.
Fundou-se a religião prepotente da raça.
Os recém-natos que eram tristes portadores
de alguma imperfeição no físico, em horrores,
eram sumariamente ali eliminados:
a Esparta não serviam os mais debilitados,
não lhe importava, enfim, nem a fonte do amor,
nem da ciência o tesouro regado a suor.

Relegou-se a cultura a planos secundários,
queriam-se guerreiros fortes, temerários;
estenderiam, assim, sua Constituição
e os povos calcariam, pisando-os ao chão.
Filósofos e artistas foram aniquilados:
proibido era pensar, estavam manietados.
Em breve, viu-se, então, em roupagens vistosas
espartanos vencerem guerras dolorosas
contra o povo messênio e o Peloponeso
sob as garras dos dórios caíra, enfim, preso.
Os nobres cavalheiros, sábios veneráveis,
reduzidos ficaram a ilotas miseráveis.
Centralizava Esparta, pela sua grandeza,
orgulhoso domínio, insólita riqueza.

Atenas, que prezava a Ciência e a Cultura,
caiu-lhe sob o jugo horrendo em amargura.
Ao Conselho dos Trinta Tiranos servia
Lisandro e suas hostes todos oprimia.
Toda força espartana afogava o direito
e Atenas, submissa, suportava o efeito
daquele punho bélico contra a razão
que jamais tinha, dó nem comiseração.
Até os grandes homens, mestres da ciência,
relegados ficaram, sem uma assistência.
Só se escutavam as trompas guerreiras troando
e ao domínio de muitas terras concitando.

Os lares impolutos vinham suportando
o mais nojento assédio, tormento nefando,
enquanto que pugilos de bravos morriam
ansiando a liberdade e em sangue sucumbiam.
Tremia toda a Hélade, triste, abafada,
sob as patas terríveis dos corcéis pisada.
No Santuário dos Deuses, via-se, então,
o fantasma da morte e da destruição...

Esparta realizara o terrível ideal
de racismo, de força tremenda e brutal.
Mas contra essa despótica organização
movimentam-se as hostes da deusa Razão
e como a defensiva sabe bem fundir
a espada do Direito e na forja brunir,
surgiu a resistência muito organizada
com fúria sem igual, mesmo desesperada.

Tebas lhe tira, enfim, o cetro do poder.
Esparta, criminosa, tenta refazer
as forças que lhe restam. A paixão militar
torna cegos seus filhos, só pensam guerrear.
A cidade era um ninho de águias belicosas;
sobejavam os quartéis em lutas criminosas,
diminuíam-se os lares e a treva ensombrava;
o hálito da morte todos circundava...
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Logo após o domínio, surge o cativeiro;
vencidos por um povo bom e justiceiro,
a opulência tão grande, quase invulnerável,
passou como num sonho mau e execrável...
Epaminondas vence Esparta desditosa
e encerra a tirania torpe e vergonhosa.
Messênia e Mantinéia são reconstruídas,
Megalópolis tem belas casas erguidas...
E no curso do tempo, somente nos restam
os escombros de Acaia que serpes infestam;
em meio aos capitéis dourados e partidos,
as aves agoureiras piam sons sentidos...
Entre o vento da noite e a negra solidão,
os chacais e as serpentes vivem em comunhão...
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Observando, hoje, as guerras dolorosas,
quando a usura e a vaidade, em dupla criminosa,
lançam a devastação às cidades da Terra,
treme toda a nossa alma ante o horror que encerra
todo o exemplo de Esparta. Pois Licurgos novos
criam Estados Molochs que devoram os povos,
afrontando os direitos mais belos da vida,
erguendo Babilônias em ânsia perdida,
onde a alma é um zero à esquerda do poder,
que o egoísmo dos povos faz endoidecer.
Mas saibamos que a morte espreita, na verdade,
os castelos da usura e também da vaidade,
erguidos com o sangue e os sarcasmos horrendos,
desautorando os Céus em acintes tremendos.

Mas a Thêmis convoca as forças da Razão
e converte a soberba, o ódio e a ambição
em miséria; em destroços a suntuosidade:
efêmera é a glória de toda a maldade.
Logo após o extermínio de águias belicosas,
restam no campo: ossos, carnes pegajosas,
que a piedade dos bons vem, enfim, remover,
mostrando sempre aos homens que precisam crer
num futuro melhor, na Espiritualidade,
abrindo os corações à bênção da Verdade!


Mariinha Mota.
1º Grande Prêmio de Poesia - Bélgica - 1981.
Concurso Internacional "Raymond Bath".